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“Vaquejada acabou, mas a cavalgada não”: Saiba o que há por trás das festas que colocam o animal como protagonista

O som das botas no chão, os chapéus de couro, os gritos de “seguuuura, peão”, o tilintar dos troféus e a animação das multidões nas arenas ecoam em vaquejadas, rodeios e cavalgadas pelo Brasil. 

Nos últimos anos, canções que exaltam o universo do sertanejo, do forró e até mesmo do  ‘piseiro’, voltaram à cultura mainstream, ou seja, às paradas de sucesso, embalando multidões em festas pelas capitais e pelos interiores do Brasil.

A estética rural, o estilo no campo, os chapéus, as botas de couro e os sons dos paredões se misturam à tradição, transformando festas como vaquejadas, touradas, boiadas, rodeios e cavalgadas em grandes eventos culturais e econômicos.

No entanto, por trás da festa e da tradição, que celebram o ‘laço’ entre o homem e o animal, há uma realidade que preocupa: o bem-estar dos animais que tornam esses eventos possíveis. Em muitas dessas festas, bois, vacas, touros e cavalos são submetidos a situações de estresse intenso, a ferimentos e até mesmo exaustão física.

O que diz o Conselho de Medicina Veterinária

O Conselho Federal e Regional de Medicina Veterinária CFMV/CRMVs estabelecem normas que devem ser atendidas durante a realização de eventos com animais, com base na Resolução 1236/2018. Entre os critérios estão orientações para médicos veterinários e zootecnistas, incluindo os códigos éticos profissionais de ambas as categorias.

Além disso, o CFMV mantém postura firme em defesa do cumprimento do ordenamento jurídico brasileiro, reconhecendo como lícitas as práticas esportivas e culturais que envolvem animais, desde que ocorram dentro do marco legal e normativo, garantindo níveis adequados de saúde, segurança e conforto, conforme os princípios do Bem-Estar Animal (BEA).

“As fiscalizações são responsabilidade das Agências Estaduais de Agropecuária. Elas visam garantir o bem-estar animal e prevenir situações que possam configurar abuso, maus-tratos ou crueldade contra os animais”, explicou o médico-veterinário Helio Manso, membro da Comissão Nacional de Bem-Estar Animal do CFMV.

“Ao CFMV/CRMVs cabe fiscalizar o exercício profissional, avaliando a postura de cada profissional diante dessas situações, bem como o empenho no cumprimento das normas, sem se furtar à fiscalização específica”, acrescentou ele ao BNEWS.

É preciso estar atento…

De acordo com a médica veterinária, Paloma Queiroz, é fundamental observar

a sanidade dos animais, mantendo as vacinas em dia e verificando suas condições para evitar dores durante a atividade.

“O preparo físico dos animais exige muito dos músculos, principalmente das articulações, e do sistema locomotor como um todo. Além disso, toda a parte nutricional também é muito importante, assim como evitar ao máximo que os animais fiquem em condições de estresse, porque a atividade esportiva a que eles são submetidos já o estimula naturalmente”, disse a profissional ao BNEWS.

A veterinária ressalta que o esforço exigido pelo sistema locomotor torna os riscos físicos significativos, envolvendo também o sistema tegumentar — ou seja, a pele — com possibilidade de traumas e lesões. “Caso o animal realize alguma manobra ou seja submetido a uma cavalgada de longa quilometragem sem estar preparado, ele sofrerá consequências, principalmente no sistema locomotor”, explicou.

Além dos riscos físicos, há também riscos psicológicos. A especialista afirma que o estresse é um fator importante, especialmente para animais não acostumados a determinadas condições, como estar em baias ou expostos a estímulos luminosos e sonoros intensos. “Tudo isso pode causar estresse excessivo nesses animais”, complementou.

O CFMV destaca que o estresse nos animais é uma resposta natural do organismo, desencadeada por fatores como transporte, manejo ou o ambiente das competições.

“O papel do médico-veterinário é identificar e avaliar os indicadores do Bem-Estar Animal (BEA), previstos em modelos internacionalmente reconhecidos, como os 5 Domínios, para indicar situações de eustresse (positivo) ou distresse (negativo)”, esclarece Manso.

De acordo com a entidade, nem todos os sinais clínicos observados configuram abuso ou maus-tratos, já que muitos são passageiros e fazem parte da resposta fisiológica natural do organismo, o que dificulta o reconhecimento de crueldade por pessoas leigas.

Para Paloma, sinais de sofrimento incluem lesões de pele, pelo fosco (indicando má alimentação), desidratação e frequência cardíaca e respiratória acima dos parâmetros de normalidade. “É essencial avaliar o animal antes da realização da prova”, ressaltou.

Ela destacou que sinais como claudicação — quando o animal manca — indicam sofrimento no sistema locomotor. “O equino é um animal que expressa claramente a dor, tornando perceptível quando está passando por algum problema físico”, completou.

Tradição cultural X Segurança dos animais

A assistente administrativo, Amanda Capistrano, é uma das participantes assíduas da Vaquejada de Serrinha, que acontece anualmente no município de Serrinha, no centro-norte da Bahia. Para ela, as festas, como um todo, favorecem empresários que vão para fazer apostas e faturar uma grande quantia. No geral, a jovem defende a realização dos shows, no entanto, se diz contrária à forma como os animais são tratados.

Eu gosto das festas, mas não concordo com o que fazem com os animais. Se acabassem, eu ia sentir falta, mas com certeza iria ficar a favor dos animais, para que eles não tivessem nenhum tipo de dor e sofrimento”, contou ao BNews.

“E eu acabo sendo contra por causa da pressão que os animais podem sofrer, pois estão expostos ao sofrimento e podem ter alguma lesão ou algo do tipo”, continuou.

A equipe do BNEWS entrou em contato com tradicionais celebrações do Brasil que colocam os animais no centro das festas – como a Festa de Barretos, em São Paulo, com montarias em touros; o Festival de Parintins, no Amazonas, que conta com a rivalidade entre os Bois Capichosos e Garantido; e, inclusive, a Vaquejada de Serrinha, na Bahia, que ressalta as origens e o estilo de vida do vaqueiro – com o objetivo de obter informações sobre os cuidados e protocolos adotados durante os eventos. Contudo, não houve retorno até o fechamento desta reportagem. 

O médico-veterinário do CFMV reforça a importância dos protocolos nos eventos. “Nos eventos oficiais, que seguem as normas do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), das leis estaduais e das associações de vaquejada, rodeio e cavalgada, sinais de distresse são raros, pois há protocolos de avaliação contínua sob supervisão veterinária”, afirma Manso.

Ainda assim, os médicos-veterinários devem estar atentos a condições climáticas extremas, comuns em algumas regiões, que podem provocar estresse térmico, exigindo medidas preventivas, como sombreamento, hidratação e períodos adequados de descanso”, continuou.

Na avaliação da veterinária Paloma, conciliar a tradição cultural da vaquejada com a segurança dos animais passa pela preparação física e nutricional adequada, pelos cuidados e pela atenção antes e depois das provas. Ela ressalta que há uma discussão ampla na medicina veterinária, pois alguns profissionais não apoiam a prática de forma alguma, enquanto outros acreditam que o esporte pode ocorrer.

Eu acredito que, se vai acontecer o esporte, o que se preza é que tenha o mínimo possível de estresse e que se consiga manter o máximo que puder de bem-estar daquele animal. Então, que o animal seja acomodado em baias com um tamanho adequado. O cavalo é um animal gregário, ou seja, que está acostumado a andar em tropa e que não deve ficar sozinho, além de que ele deve se alimentar da maneira correta e expressar seu comportamento natural”, concluiu.

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Fonte: BNews