A 1ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) decidiu manter a qualificação de uma candidata negra para as cotas raciais do concurso para analista técnico do Ministério Público da União (MPU). Segundo o portal G1, a economista Rebeca Mello, de 28 anos, passou na seleção em 2018 mas foi desclassificada pelo Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos (Cebraspe) após ser submetida a análise para comprovar a condição de candidata negra.
“Ou seja, infere-se indubitavelmente de tal argumentação que, por ser [a candidata] uma mulher bonita e não apresentar as anatomias ‘identificadas aos negros’ (cabelo crespo, nariz e lábios extremamente acentuados, cor da pele negra evidenciada) não sofrera discriminação, conquanto seja negra/parda e, portanto, deveria ser excluída do certame pelo sistema de cotas”, diz a decisão.
O desembargador afirma que a banca examinadora não pode excluir a candidata apenas pela questão estética. “Ressalte-se, a avaliação fenotípica com essa finalidade deve estar restrita tão-somente a identificação de raça, não suportando outras especulações sobre o estereótipo do candidato, inclusive o estético”, argumentou.
O Cebraspe afirmou que “jamais avalia padrão de beleza ou estética em procedimento de heteroidentificação ou em qualquer outra fase do concurso público e reforça seu compromisso com as políticas afirmativas de combate ao racismo”. Mas Rebeca afirma que já foi considerada apta para concorrer às vagas reservadas para candidatos negros em outras três avaliações feitas pelo Cebraspe. A candidata acredita que houve preconceito da banca avaliadora.
“Eles têm um padrão de negro e um critério louco na cabeça para dizer quem é negro ou não. Acredito que, para eles, só pode ser qualificado quem é preto”, disse. Rebeca afirma que não teve acesso aos critérios e argumentos para a reprovação. E diz que levou comprovantes de que era quilombola, mas os fiscais teriam se recusado a analisar a documentação.
“Significa afirmar, então, que somente as negras/pardas que não apresentam traços estéticos socialmente estabelecidos como padrão de beleza são as que sofreram discriminação social e preconceito racial e estariam habilitadas a ingressarem no serviço público pelo sistema de cotas?”, questionou o magistrado em voto favorável a Rebeca.
DESDOBRAMENTOS
Ao justificar a desclassificação da economista do sistema de cotas, o Cebraspe argumentou que três pessoas participaram da banca e que, durante a entrevista, “se verificou que as características fenotípicas da apelada [candidata] não se enquadravam nos preceitos da Resolução n° 170/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público [que trata sobre os cotistas]”.
“Causou estranheza a este Centro que, na decisão judicial, haja a associação entre padrão de beleza e características fenotípicas, tendo em vista que a análise presencial feita no momento da heteroidentificação visa analisar, tão somente, se o candidato possui um conjunto de características da pessoa negra, tais como textura do cabelo, cor da pele, entre outras. Ressalta-se, ainda, que esse procedimento é feito por banca composta por membros com experiência em políticas públicas de enfrentamento ao racismo”, diz parte do comunicado da entidade.
“Fui reprovada em duas bancas e eles nunca disseram quem eram os avaliadores e se foram distintos. Questionei o MPU várias vezes, mas não me deram material para me defender”, conta Rebeca. A economista classifica a situação como revoltante. “Como deveria resolver com o Cebraspe, acionamos a Justiça do DF. Foi um processo bem esquisito, mas graças a Deus o Tribunal de Justiça tomou essa decisão”.
A decisão mais recente em favor de Rebecca saiu no dia 31 de agosto. Na ocasião, a Justiça negou um recurso do Cebraspe e manteve ordem de primeira instância que havia determinado a suspensão da eliminação da economista do concurso, até um julgamento final sobre o caso. O Cebraspe também havia pedido para que a análise do mérito do processo fosse transferida para a Justiça Federal, já que a candidata estaria concorrendo para vaga em órgão federal. Entretanto, o pedido também foi indeferido.
O processo foi movido pelo pai de Rebeca, o advogado Magno Mello, de 58 anos. Ele defende um debate maior sobre a classificação pelas bancas examinadoras no âmbito das cotas raciais. Para ele, uma pessoa só deve se manifestar contra a declaração de um candidato com muita certeza. “A decisão altera toda ordem de classificação do concurso”, diz.
O advogado também conta que ainda tramita na Justiça outro processo semelhante a este. De acordo com ele, em 2018, a filha também passou em outro concurso público, para o Instituto Rio Branco, mas foi reprovada pela banca que avalia a classificação da cota racial. “A única saída é continuar brigando. Isso é cometer crime”, critica.
Fonte: Bahia Notícias