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Parlamentares baianos festejam cotas raciais nas verbas para eleições

Parlamentares negros baianos celebraram a decisão liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, de antecipar para 2020 a implementação das cotas raciais proporcionais de distribuição de verbas públicas para financiamento de campanha e do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão. Aprovada em agosto pelo TSE, a decisão começaria a valer, de forma obrigatória, apenas em 2022.

Na decisão, Lewandowski afirmou que a antecipação não causará prejuízos aos partidos, que terão tempo para se adequar, já que estão no momento das convenções partidárias e o período da propaganda eleitoral ainda não começou.

A análise foi motivada pelo Arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) impetrada pelo Psol, que alegou que o adiamento dos incentivos às candidaturas de pessoas negras, para 2022, viola princípios e direitos constitucionais. O plenário do Supremo deverá apreciar a decisão do ministro.

Vereadora por dois mandatos, Marta Rodrigues (PT) sentiu na pele, por diversas vezes, a desigualdade na distribuição dos recursos partidários. Como exemplo do racismo e da falta de igualdade entre candidaturas negras e brancas, ele cita o atual cenário na Câmara Municipal de Salvador (CMS).

“Todo esse tempo nos foi negado esse patamar de igualdade na disputa e isso gera um déficit, é preciso reconhecer. A Câmara é o retrato desse déficit, a população de Salvador é formada em sua maioria por mulheres negras e na Câmara, dos 43 vereadores, só temos duas mulheres negras, eu e Ireuda [Silva]”, destaca Rodrigues.

Marta acredita que a manutenção da decisão poderá provocar uma inclusão de negros jamais vista nos espaços de poder: “Essa mexida na regra vai alterar o resultado das eleições neste ano. Inclusão não é permitir apenas que o homem e a mulher negra possa concorrer, é mais do que isso, é dar oportunidades para que eles tenham chances reais de serem eleitos”.

Outro parlamentar negro na CMS a sinalizar sobre a desigualdade racial na distribuição das cadeiras é Silvio Humberto (PSB). Ele comemora que a “decisão histórica que foi empurrada para 2022” passe a valer “já em 2020”. Humberto lamenta que o parlamento de Salvador não seja um reflexo de sua população, que conta com 80% de pessoas negras e com apenas 14 vereadores que se autodeclaram dessa forma.

A igualdade de oportunidades é um dos meios para o alcance da “igualdade racial” e da “democracia plena”, é o que explica o vereador do PSB: “Não podemos falar em democracia enquanto houver racismo. É preciso garantir efetivamente que a democracia se transforme em uma democracia participativa, criando dentro dela um ambiente onde todos podem participar com chance de ganhar, e para isso é necessário recursos financeiros e materiais”.

Silvio concorda que há tempo suficiente para os partidos se programarem, como pontuou Lewandowski, como farão para promover a igualdade no acesso aos recurso do fundo e no tempo de TV entre candidaturas negras e brancas. O parlamentar ressalta que “se os partidos são capazes de se organizarem para deixar o racismo institucional agir, eles “podem agir para fazê-lo parar”.

Outra parlamentar negra a comemorar o resultado foi a deputada estadual e pré-candidata à prefeita de Salvador, Olívia Santana (PCdoB), que classificou a decisão de Lewandowski e do TSE como “a maior conquista da luta do movimento negro depois das cotas nas universidades”.

Olívia define a reserva de recursos e o tempo de TV como uma mostra da “maturidade” do judiciário na compreensão do “desequilíbrio racial” que é recorrente nos pleitos eleitorais no país.

“Muito feliz com essas decisões. A candidatura da mulher e do homem negro não podem ser candidaturas para constar, tem que ter acesso ao financiamento. O poder econômico faz a diferença no processo eleitoral e muitos desistem de se candidatar por isso. É Muito importante que o fundo seja distribuído levando em conta o critério de raça e gênero”, ressalta Santana.

Olívia compara os efeitos dessa decisão ao que aconteceu com a implementação das cotas obrigatórias de 30% para mulheres, que teve vigência na eleição de 2018 e resultou em um salto expressivo no número de mulheres eleitas: “Saímos de 51 para 77 deputadas eleitas, como um primeiro efeito daquele financiamento”.

A parlamentar do PCdoB pondera que a medida legal não “acaba com a desigualdade de recursos” nas campanhas, mas “amplia as chances para candidaturas negras”, que garante, já deve ter efeitos positivos em um curto prazo.

“Tenho certeza que vai acontecer em relação à população negra o que ocorreu com as mulheres,nessa e nas eleições seguintes. Na medida em que as pessoas vão conhecendo essa lei, se apropriando, indo para disputar, o número de eleitos irá aumentar. Agora é olho nos partidos, fiscalização é fundamental para garantir que os nossos candidatos saibam da existência da lei”, ressalta a parlamentar do PCdoB.

‘Pecado histórico’

O pastor evangélico e colega de casa de Olívia, Samuel Júnior (PDT), ressalta que legislações que estabelecem equidade de condições são imprescindíveis para corrigir o que denomina como “pecado histórico”.

“A lei é imprescindível para tentar desfazer esse pecado histórico. Com maior participação de candidatos negros no horário eleitoral e no valor do fundo partidário, sem dúvida nenhuma, maiores espaços serão conquistados e postos mais altos serão galgados pelos negros”, ressalta Júnior.

O deputado estadual negro do PDT critica a falta de oportunidade para parlamentares afrodescendentes e lamenta que o Brasil e o Estado da Bahia ainda não tenha eleito para os seus cargos mais alto uma pessoa negra. “É inadmissível que a maior nação negra fora do continente africano nunca tenha tido um presidente negro e, pior ainda, um estado como a Bahia, com tamanha população negra, jamais tenha tido um governador negro”.

Filho do vereador Edvaldo Brito (PSD), primeiro prefeito negro de Salvador, alçado ao cargo por indicação política no período da ditadura e reeleito como vice-prefeito anos depois, o deputado federal Antônio Brito (PSD) lamenta que, após seu pai, a cidade com maior população negra fora do continente africano não tenha eleito outro chefe do executivo afrodescente.

“Basta pegar a estatística. O único prefeito negro na capital mais negra fora da África, em 1978, foi meu pai. De lá para cá, Salvador não elegeu um prefeito negro, e um dado como esse chama atenção”, indica Brito.

Membro do que define como um grupo seleto na Câmara dos Deputados, formado por 21 parlamentares que se autodeclararam negros, de um total de 513 parlamentares, Antônio usa esse cenário para mostrar o tamanho da desigualdade racial no parlamento brasileiro, que acredita, poderá ser corrigida nos próximos com a aplicação igualitária dos recursos do fundo partidário e do tempo de TV. Brito avalia que decisão da justiça eleitoral terá uma “repercussão importante no futuro das candidaturas”, e acrescenta que com “igualdade de oportunidade”, “candidatos negros desejarão participar do pleito” e um número cada vez maior “obterá êxito” .

Ampliação das oportunidades

O cientista político negro e doutorando da Unicamp, Rodger Richer, avalia que a decisão do ministro Ricardo Lewandowski foi fundamental para assegurar uma maior equidade no pleito de 2020. Ele lamenta que, apesar do país ser formado em sua maioria por pessoas negras e pardas, essa representação étnica não seja refletida no Congresso Nacional, nas câmara de vereadores e nos executivos espalhados pelo país.

Richer explica que as iniciativas que garantam a igualdade de condições e recurso, como o acesso ao tempo de TV e rádio, são “fundamentais para assegurar que tenhamos uma maior representatividade de pessoas negras cargos institucionais da política”. Ele pontua que essa “reconfiguração na cor dos eleitos” atua no combate ao “racismo institucional” e fomenta a construção de um sistema político baseado na “igualdade racial”.

“Apesar de existirem inúmeras candidaturas negras ao redor do Brasil, infelizmente, essas candidaturas não são eleitas de maneira proporcional e uma das variáveis que influenciam para essa não eleição é o financiamento; Logo, se há um Fundo Eleitoral que pode ser dividido proporcionalmente entre negros e brancos, isso, com certeza, vai servir de base para aumentarmos a competitividade das candidaturas negras e consequentemente influenciarmos nas políticas públicas voltadas para essa população”, ressalta Ridger.

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–> Fonte: A Tarde

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