Brasil
Debate aprofundado e presencial baseia só 1% das decisões do STF
De todas as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) de 1988 a 2018, em apenas 1% delas houve discussão presencial e aprofundada sobre o processo. Nesse período, 72% das decisões da corte foram tomadas de maneira individual por algum ministro. Outros 10% foram devolvidos a instâncias inferiores automaticamente e sequer houve decisão do STF nesses casos.
Julgamentos colegiados representaram 17% do total, mas 16% deles dizem respeito a análises em sessões virtuais ou de maneira presencial em lista, quando são apreciados em lote e sem discussão do caso.
Os dados estão no relatório Supremo em Números, da FGV Direito Rio, e expõem o fenômeno da monocratização do tribunal, retratado pelo alto número de despachos individuais de um órgão que, em tese, deveria prezar pelo entendimento colegiado.
Para os especialistas que fizeram o levantamento, os dados enfraquecem um dos principais argumentos do ministro Dias Toffoli sobre sua gestão na presidência do tribunal, que acabou no dia 10.
Toffoli ampliou o plenário virtual e costuma citar o aumento das decisões colegiadas como um de seus feitos. Segundo o ministro, ao longo de 2019, o STF proferiu 16,6 mil decisões colegiadas, número 20% superior ao de 2018.
“Isso motivou a gente a parar e olhar exatamente o que está dentro desse balaio que, na verdade, contém muitas situações diferentes. Quando falo em decisão colegiada, posso estar falando várias coisas”, diz Diego Werneck.
O levantamento classificou os julgamentos da corte de acordo com a “atenção decisória” dada a cada caso.
A primeira categoria considera os processos apresentados ao STF, mas devolvidos automaticamente a instâncias inferiores por se enquadrarem em temas de repercussão geral.
Isso ocorre quando uma situação se multiplica no Judiciário e o STF define uma tese para ser aplicada pelos tribunais aos casos concretos a fim de solucionar as controvérsias. Esse recorte corresponde a 10% das ações que chegaram à corte de 1988 e 2018, o equivalente a 199 mil litígios.
Na segunda tipologia está concentrado o maior número de processos: são 1,38 milhão (72%) de causas em que houve apenas decisão individual, sem nenhum registro de discussão colegiada.
No terceiro tipo estão incluídas 308 mil ações (16%) que tiveram decisão colegiada, mas em processos decididos em julgamentos virtuais ou em sessões em que 20 ou mais casos foram julgados.
Só na última categoria, 1% dos julgamentos, houve decisão conjunta com análise específica e aprofundada. Como isso inclui as duas turmas da corte, conclui-se que decisões aprofundadas do plenário em que se reúnem os 11 ministros são ainda mais raras.
“A exceção é o que a corte decide conjuntamente e com debate específico”, diz.
Werneck ressalta a importância do julgamento presencial: “Há estudos que mostram que a chance de mudança de voto no plenário não é baixa. E, mesmo que não tenha mudança, eles limitam uns aos outros, confrontam argumentos; isso é importante para complementar a transparência”.
Thomaz Pereira, que também fez o estudo, afirma que a ampliação do plenário virtual instituída por Toffoli após o início da pandemia do coronavírus não é necessariamente negativa, mas pondera que não é adequado enquadrar na mesma categoria decisões online e presenciais.
“Se presencialmente a palavra circula entre os ministros para que apresentem seus votos em tempo real, no plenário virtual não há oportunidade institucional de debate de fato, não tem interação”, afirma.
Para ele, os dados apontam a superficialidade das decisões online tanto pelas turmas quanto pelo plenário.
“Mesmo levando em consideração a maior celeridade de sessões virtuais, o número médio de decisões por sessão salta aos olhos: no primeiro semestre de 2019, as 7.900 decisões colegiadas foram tomadas em um total de 141 sessões –56 processos por sessão.”
Para Pereira, as declarações de que houve ampliação dos entendimentos firmados em conjunto pela corte não representam a realidade.
“Os resultados reforçam a ideia de que um uso puramente formal da categoria ‘decisões colegiadas’ ofusca uma dimensão importante da realidade do tribunal, estimulando uma percepção inflacionada da proporção e volume de decisões em que os ministros de fato interagem em tempo real para ouvir os votos de seus colegas”, diz.
Além de Pereira e Werneck, Guilherme Almeida completa o trio que desenvolveu o estudo. Ele destaca que os julgamentos presenciais garantem maior chance de haver a decisão mais justa possível.
“Nos processos que recebem análise específica e presencial, a taxa de sucesso das partes ativas tende a ser maior do que nos processos classificados nos outros tipos”, diz.
Desde a promulgação da Constituição, o Congresso e o próprio STF aprovaram medidas a fim de reduzir a sobrecarga de processos da corte.
A súmula vinculante para dar mais força às decisões do Supremo e evitar a subida de todos os casos a Brasília e o instituto da repercussão geral são exemplos nesse sentido.
Agora, o Legislativo discute uma PEC (proposta de emenda à Constituição) para determinar o trânsito em julgado em segunda instância –ao STJ e ao STF seriam encaminhados questionamentos, mas a pena já seria cumprida.
Isso também pode reduzir o número de processos do Supremo, mas a solução para o baixo número de discussões aprofundadas na corte não seria tão simples. “Precisamos focar a pergunta sobre a discussão qualificada, a interação, o debate presencial de teses relevantes”, diz Pereira.
Para resolver isso, ele lembra que há um movimento no tribunal que defende limitar o tempo do voto, a fim de viabilizar a análise de mais casos quando os ministros estão reunidos presencialmente.
Reservadamente, porém, uma ala da corte resiste. Um ministro que simpatiza com a regra diz que a crescente exposição do STF na mídia dificulta a ideia de dar mais celeridade a julgamentos em plenário.
A reportagem questionou os dados à assessoria do STF, que, até a conclusão desta edição não havia se pronunciado.
Fonte: Bahia Notícias