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A TARDE Memória: Pandemia no passado e no presente

A pandemia de coronavírus fará 2020 ser um daqueles anos de marco para a história humana. Susto, pavor e mapeamento do que pode fazer a ciência têm sido os desafios das plataformas de mídia para realizar a cobertura de uma situação complexa. Há também o negacionismo, as mentiras disfarçadas de informação, chamadas popularmente de fake news. Mas, como a memória do cotidiano dos jornais aponta tivemos uma situação muito semelhante há 102 anos: a disseminação da gripe espanhola, assim chamada porque a Espanha registrou um alto número de mortes. Estima-se que a doença matou cerca de 50 milhões de pessoas em todo o mundo.

500

pessoas já tinham sido contaminadas pela Gripe Espanhola em Salvador no dia 25 de setembro de 1918, segundo noticiou o A Tarde na época

A edição de A TARDE, em 25 de setembro de 1918, anunciou com preocupação: “Uma nova epidemia está assolando a capital”. Segundo o jornal, Salvador já registrava mais de 500 doentes. A TARDE já vinha noticiando casos da doença desde o início do mês, mas com ênfase no contágio entre militares, pois o mundo experimentava a primeira das grandes guerras.

Edição de A TARDE em setembro de 1918
Edição de A TARDE em setembro de 1918

Fase difícil

O governo de Antônio Ferrão Moniz de Aragão (1881-1940) passou, pelo que se chama, em cobertura política, de “tempestade perfeita” ou de uma aplicação clássica da Lei de Murphy – tudo acontecendo da pior forma possível no pior momento possível: guerra; inflação no preço dos alimentos; a pandemia de gripe espanhola e a considerada primeira greve geral da Bahia, que eclodiu em 1919 e teve adesão de trabalhadores dos mais variados segmentos: pedreiros, operários das fábricas de tecidos, estivadores, condutores de bonde, ferroviários, dentre outros.

E isso quando se afirmava que ele apenas guardava a cadeira do governo para o retorno de Seabra. Por isso, ao saírem as primeiras notícias veio a negação. A TARDE realmente fazia oposição ferrenha ao chamado grupo seabrista, mas o governo insistia que a situação não era tão terrível como a imprensa mostrava. As plataformas de mídia podem até ter vínculos a interesses de grupos políticos– e era o caso sem segredo– mas fatos não cabem exatamente no controle ainda mais relacionados a uma doença altamente transmissível e letal.

“E as fábricas? Na Stella , de calçados, até hontem havia entre cento e poucos operários mais de setenta acamados. Hoje essa fábrica não trabalhou. A maioria absoluta não compareceu ao trabalho” (A TARDE, 1/10/1918, p.1).

Capa do hoje centenário em outubro de 1918
Capa do hoje centenário em outubro de 1918

O trecho é da reportagem que usa a ironia sobre as negativas governamentais a partir dos casos da gripe: “E não há epidemia na Bahia”. Além da doença, Salvador não tinha política de saneamento e a pobreza era um mal crônico.

“Em tempos de pandemia ‘viajar’ pelo acervo digitalizado de A TARDE possibilita resgatar o instante em que o navio Demerara aporta em Salvador trazendo a bordo o agente causador da gripe espanhola”

Claudio Bandeira

“No contexto das precárias condições de vida da população da Salvador da Velha República, imperava, em meio a epidemia de gripe, o que chamavam então de carestia, termo usado para a escalada dos preços que prejudicava o consumo de alimentos de primeira necessidade, cuja ausência ampliaria a desnutrição e o contágio de doenças”, explica o jornalista Claudio Bandeira em sua tese intitulada “Epidemias: um estudo sobre a cultura médica-científica”, defendida, em junho deste ano, sob a orientação da professora Simone Bortoliero, para a obtenção do seu título de doutor em Cultura e Sociedade no programa de pós-graduação sediado no Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da Universidade Federal da Bahia (IHAC-Ufba).

A pesquisa em que analisou a cobertura jornalística sobre epidemias como a gripe espanhola e a H1N1, identificou conteúdo em edições de A TARDE e do Estado de São Paulo – um jornal regional e um nacional – no período de 1912 a 2012. Bandeira fez parte da equipe de A TARDE como repórter e editor especializado em ciência. Por isso desenvolveu seu projeto de pesquisa com conhecimento sobre a possibilidade de obter registros importantes na memória cotidiana feita pelos jornais.

Palavra de especialista

Ricardo Batista, doutor em história, apontou êxitos em visitar o passado para adotar medidas de prevenção como a restrição de circulação de pessoas

“Em tempos de pandemia do coronavírus, que já ceifou mais de um milhão de vidas, ‘viajar’ pelo acervo digitalizado das edições de A TARDE, mais precisamente para setembro de 1918, possibilita resgatar o instante em que o navio britânico Demerara aporta em Salvador, entre outras cidades litorâneas brasileiras, trazendo a bordo o agente causador (então desconhecido) da gripe espanhola. A partir desse momento, agora congelado no tempo, o jornal passa a relatar a trajetória da pandemia que causou a morte de cerca de 50 milhões de pessoas em todo o planeta. Essas edições permitem traçar um paralelo entre o passado e o presente e atestam a relevância da utilização da imprensa como fonte de estudo para a preservação da memória e construção do tecido histórico”, diz Bandeira.

E à medida que avançamos encontramos situações muito semelhantes entre o passado e o atual desafio, como aponta o doutor em História e professor da Uneb, Ricardo Batista. Ele é especialista em história das ciências e da saúde com um estágio pós-doc na Casa de Oswaldo Cruz/Fio Cruz.

“Embora as restrições de circulação de pessoas tenham sido utilizadas desde a Idade Média, em vários eventos epidêmicos/pandêmicos, a memória social sobre as pandemias estava ‘adormecida’ em muitos países. Isso porque, para ter vivido a pandemia de 1918, uma pessoa, em 2020, precisa ter, pelo menos, 104 anos. Contudo, os aprendizados são reabilitados pelos historiadores, pelos meios de comunicação, e voltamos a adotar medidas consideradas exitosas”, completa Ricardo Batista.

Revisitar essa memória, portanto, é, sobretudo descobrir que mesmo avançando em tecnologia e conhecimento científico ainda nos vemos sem chão diante do imprevisto, como uma epidemia. E o jornalismo não apenas produz, mas pode ajudar a mostrar os desafios de outros tempos não tão diferentes do que se vive agora.

Fontes: edições de A TARDE; Tese: “Epidemias: um estudo sobre a cultura médica-científica”- Claudio Antônio de Freitas Bandeira (Pós-Cultura- IHAC-UFBA- ainda não publicada); História da Bahia (Luis Henrique Dias Tavares).

*Cleidiana Ramos é jornalista e doutora em Antropologia

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–> Fonte: A Tarde

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