Saúde

Choque térmico, má alimentação e uso de medicamentos incorretos afetam artistas durante maratona de shows no São João

Estar nos palcos durante o mês de junho é uma verdadeira maratona para os artistas que são do gênero forró, sertanejo e arrocha, ritmos que costumam ser os principais nos eventos ao redor da Bahia e de outros estados do Nordeste.

 

Um bom exemplo disso é a banda Calcinha Preta, uma das recordistas em apresentações durante o período de junho, com mais de 50 shows na agenda. 

 

O grupo sergipano chegou a fazer 3 shows por dia e ligou um alerta no público que tem acompanhado as apresentações: qual a preparação feita para aguentar a agenda cheia em um dos períodos mais disputados do calendário de festas?

 

Antes mesmo da data oficial do São João, Daniel Diau e Silvânia Aquino foram alvos de críticas dos internautas que apontavam um desgaste na voz e reclamavam da redução dos shows. O Bahia Notícias procurou a equipe da banda, mas não houve resposta para a pauta.

 

Diante disso, a equipe do BN procurou especialistas da área de saúde para saber o que leva ao desgaste do principal instrumento de trabalho desses artistas e formas de preparação. Segundo a orofessora de Otorrinolaringologia e Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da UFBA, Natasha Braga, um dos fatores que levam a problemas na voz de artistas é o choque térmico e o uso vocal de uma forma mais constante, que pode causar até rouquidão.  

 

“Um dos maiores motivos de levar os cantores a ficarem disfônicos durante o São João é a questão do choque térmico. As pessoas geralmente cantam em lugares frios, recebem muito vento, em ambientes abertos, com acústica ruim, e cantam durante poucas horas. No entanto, eles fazem vários shows consecutivos, um atrás do outro. Isso leva a uma maior demanda vocal e a maior rouquidão. Um outro motivo comum são os hábitos ruins: se o cantor ingere bebida alcoólica, ou se ele fuma, ou se ele está acostumado a comer comidas com cafeína, chocolate, ou se está usando alguma medicação incorreta, ele vai, provavelmente, ter uma qualidade vocal pior”, disse a otorrinolaringologia que atende os cantores Tayrone, Adelmario Coelho, entre outros. 

 

A especialista também detalhou como o uso de algumas medicações de forma incorreta pode impactar durante a preparação dessas personalidades. 

 

“Alguns remédios podem levar à alteração da corda vocal e ocasionar uma rouquidão muito mais precoce em comparação com quem não usa essas medicações. O outro fator é cantar sem o preparo vocal, sem o auxílio de algumas medicações que o otorrino prescreve, justamente para evitar a rouquidão e sem o auxílio também do fonoaudiólogo. O preparo do fonoaudiólogo é essencial. Então o cantor que vai cantar sem uma avaliação otorrinolaringológica prévia, para ver se ele não vai precisar de medicação ou para evitar a inflamação das cordas vocais… Assim como, sem o preparo fonoaudiólogo, ele tem muito maior chance de ficar rouco do que aquele que tem o preparo com o otorrino e com o fonoaudiólogo”, observou Braga.

 

A fonoaudióloga Emile Rocha, professora da Uneb e especialista em voz, destacou o número de shows e o uso da voz mais constante neste período, e até mesmo problemas de saúde na região do estômago. 

 

“Outras questões importantes estão relacionadas ao refluxo, que é o retorno do líquido gástrico juntamente com alimentos. O refluxo mais alto ocasiona também um edema, um inchaço e inflamação na pele do vocal, e é isso também atrapalha”. 

 

ALIMENTAÇÃO E EMOCIONAL

Além de Calcinha Preta, outra atração com grande quantidade de show no São João deste ano é o cantor Heitor Costa, que aparece em 3º no ranking do Ministério Público da Bahia como a atração mais contratada para se apresentar no estado. 

 

Recentemente, o músico preocupou o público ao paralisar uma apresentação após sentir um mal-estar. Na justificativa, o destaque do arrocha afirmou ter comido algo que não caiu bem no estômago. 

 

“Galera, eu confesso para vocês que eu me senti um pouco mal. Tá bom? Eu tô vindo de muito longe, às vezes o cara não se alimenta bem na estrada, e é normal, isso é coisa do cantor. Eu peço muitas desculpas a vocês, me desculpem de verdade. Eu sou um ser humano, não sou uma máquina, mas vamos voltar com tudo”.

 

O nutricionista Alexandre Roriz também chamou atenção para o cuidado especial que os músicos precisam ter com a alimentação e deu dicas de uma boa preparação, já que isso também causa um impacto no desempenho vocal.

 

“O período junino exige bastante da saúde dos cantores. É uma maratona de shows que requer bastante preparo físico, e que sem um suporte nutricional adequado, torna a missão muito mais difícil. As proteínas ajudam a recuperar os tecidos das cordas vocais, que são formados por músculos, portanto, recomenda-se a ingestão de boas fontes, como aves e peixes, por exemplo. Já os carboidratos são fundamentais para dar energia aos artistas”, explicou o profissional. 

 

“Os carboidratos complexos, como grãos integrais, frutas e vegetais, proporcionam uma liberação sustentada de energia, permitindo-nos ter a resistência necessária durante as apresentações. Além disso, os carboidratos podem ser consumidos também durante os shows, para manter um aporte energético adequado, principalmente em apresentações mais longas ou para artistas mais performáticos. Frutas são excelentes opções nesses caso”, disse o especialista. 

 

O nutricionista indicou também a importância da hidratação para essas personalidades. 

 

“A hidratação também é fundamental para manter a voz em dia. Antes, durante e depois dos shows é recomendável que haja uma ingestão adequada. Em casos de suor excessivo, um repositor eletrolítico pode ser uma ótima opção para os cantores estabelecerem seus estoques de sais minerais no corpo e terem uma performance prolongada”, contou Roriz. 

 

Ao Bahia Notícias, o cantor baiano Péricles, da dupla com Leonardo, falou sobre a preparação para encarar os palcos no São João. Os artistas, que costumam se apresentar em bares na capital baiana, contam que o que mais afeta eles é o deslocamento e não as apresentações.

 

“Nós estamos acostumados a rodar bastante nos barzinhos, nas boates, o nosso tempo de show é muito maior do que o show que a gente faz pela Prefeitura, então, o que desgasta mesmo o artista durante esse período de São João são as viagens. A gente acaba dormindo mal, não consegue descansar direito e isso prejudica a voz. Mas a gente tem tentado organizar tudo para não atrapalhar e fazer um show de qualidade.”

 

O cantor Wesley Safadão anunciou no início do ano a redução de 80% da agenda de shows. No caso do artista, a ideia da mudança teve como motivo o cuidado com a saúde mental, no entanto, em 2022, por exemplo, Safadão precisou cancelar os shows da agenda de São João devido a um problema de saúde.

 

Na época, o artista sentiu fortes dores nas costas e depois recebeu o diagnóstico de hérnia de disco. “Para respirar, doía. Se eu quisesse encher o meu pulmão, eu sentia dor. Eu sentia muitas, muitas pinçadas assim, sabe? Era na perna direita, era na perna esquerda”, contou na época ao Fantástico. 

 

Já em 2023, o artista cancelou a agenda por apresentar problemas na voz. A última apresentação do artista foi em Itabuna. De acordo com a equipe, o cantor foi diagnosticado com uma disfonia. A fonoaudióloga Emile Rocha também apontou que problemas emocionais também afetam a performance de cantores. 

 

“Questões emocionais também podem influenciar na voz desses artistas. O emocional mexe muito, eles [os cantores] estão na expectativa, seja na gestão, preocupados, por a voz ficar rouca, ou preocupação da laringe travar ou por causa do medo deles não darem conta. Então isso pode realmente ocasionar uma laringe mais travada e consequentemente uma voz mais rouca”, disse Rocha.

Fonte: Bahia Notícias

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