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Emendas impositivas: Entenda como projeto de ACM virou centro de polêmica entre STF e Congresso Nacional

Em menos de 24 horas, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, rejeitou ação assinadas pelas mesas diretoras do Senado e da Câmara dos Deputados com pedido liminar para que fosse derrubada a decisão do ministro Flávio Dino sobre emendas impositivas. A ação, protocolada nesta quinta-feira (15), foi assinada pelos presidentes das duas casas do Congresso e dos seguintes partidos: PSD, PL, PT, União Brasil, PP, MDB, PSB, Republicanos, Solidariedade, PSDB e PDT.

 

Na sua decisão, o ministro Barroso afirmou que as intervenções da presidência contra decisões monocráticas de ministros só devem acontecer em casos excepcionais. O presidente do STF argumentou ainda que a decisão do ministro Flávio Dino “sinaliza a possibilidade de construir solução consensual para a questão, em reunião institucional com representantes dos Três Poderes”.

 

Nesta sexta (16), o STF formou maioria, em julgamento virtual, para ratificar a decisão de Flávio Dino de suspender todas as emendas impositivas até o Congresso Nacional editar novos procedimentos para a liberação dos recursos de forma transparente. Só ficarão de fora dessa decisão os recursos provenientes de emendas parlamentares destinados a obras já iniciadas nos municípios ou a ações para atendimento de calamidade pública formalmente reconhecidas.

 

A nova decisão conjunta do STF, somada à rejeição, pelo ministro Barroso, da liminar dos presidentes da Câmara, Senado e de 11 partidos devem levar a uma escalada das tensões entre os três poderes. Nessa semana, já houve uma retaliação do Congresso por conta da decisão do STF, com a Comissão Mista de Orçamento rejeitando a medida provisória 1238/24, que abre crédito orçamentário para o Poder Judiciário e o Conselho Nacional do Ministério Público.

 

Com a rejeição da MP, sete órgãos do Poder Judiciário e o Conselho Nacional do Ministério Público deixarão de receber R$ 1,3 bilhão este ano. Só do STF, são R$ 6,6 milhões a menos no orçamento. Os mais afetados são a Justiça do Trabalho, com R$ 806 milhões, e a Justiça Federal, com R$ 435 milhões.

 

Em seu voto no julgamento virtual, o ministro Flávio Dino, relator da ação, afirmou que estão acontecendo reuniões para se chegar a uma solução consensual para melhorar a transparência da execução das emendas pelo Congresso Nacional. O ministro André Mendonça também argumentou que há um esforço na busca consensual entre os Poderes para se chegar a um meio-termo sobre as emendas impositivas.

 

O debate sobre a execução das emendas é antigo e durante muitos anos deputados e senadores reclamaram do controle que o Poder Executivo exercia em relação à distribuição das verbas indicadas pelos parlamentares. A discussão se tornou mais acentuada a partir da apresentação da PEC 22/2000, do então presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães, que transformava o Orçamento Geral da União em impositivo, e não mais apenas autorizativo. 

 

Na ocasião da apresentação da PEC, ACM argumentava que o Congresso tinha o poder de aprovar a lei orçamentária e autorizar o governo a executá-la, mas essa autorização não implicava em uma efetiva execução de todas as obras e investimentos consignados no projeto. O Poder Executivo detinha o poder de congelar verbas e projetos, além de realizar cortes e escolher pagar um volume maior de emendas dos aliados ao governo. 

 

“Precisamos transformar a lei orçamentária em uma disposição legal impositiva, respeitados os limites orçamentários estabelecidos tecnicamente pelo Executivo. A partir daí, os projetos, investimentos e dotações aprovados pelos parlamentares, dentro dos limites orçamentários apontados pelos técnicos, teriam necessariamente de ser executados”, defendia Antonio Carlos Magalhães em sua proposta.

 

O famoso político baiano faleceu em 20 de julho de 2007 sem ver a sua proposta de emenda constitucional aprovada pelo Congresso. Na verdade, a proposição passou quase 15 anos tramitando e sendo discutida, e foi enfim aprovada e promulgada em março de 2015. 

 

A Emenda Constitucional 86, proveniente da PEC do senador ACM, passou a obrigar o Poder Executivo a liberar até 1,2% da receita corrente líquida (RCL) do ano anterior para as emendas apresentadas por parlamentares. Desse total, 50% – ou seja, 0,6% do valor permitido – precisam ser aplicados na área de saúde.

 

A emenda constitucional foi saudada na época como capaz de dar mais independência para deputados federais e senadores, que podem direcionar recursos para municípios e estados sem depender da boa vontade do Executivo. A emenda também passou a prever uma ampliação progressiva dos recursos para a saúde nos cinco anos seguintes ao da promulgação. No primeiro ano, a aplicação mínima em saúde será de 13,2% da receita corrente líquida; no segundo ano, 13,7%; no terceiro ano, 14,1%; no quarto ano, 14,5%; e, do quinto ano em diante, 15% da receita líquida corrente.

 

Posteriormente, uma outra emenda constitucional foi promulgada – a de número 100 – para tornar também obrigatória a execução das emendas das bancadas estaduais indicadas no Orçamento da União. Aprovada em junho de 2019, a nova norma impôs a execução obrigatória dessas emendas de bancada, que teriam que seguir as mesmas regras das individuais, que se tornaram impositivas em 2015. 

 

As emendas de bancada passaram então a ser de execução obrigatória e correspondem a 1% da receita corrente líquida realizada no exercício anterior. A execução das emendas de bancada passou a seguir regras já vigentes para as de autoria individual, como submissão a contingenciamentos para cumprimento de meta de resultado fiscal.

 

Na sessão de promulgação da EC 100, deputados e senadores que participaram da cerimônia elogiaram a iniciativa e a conquista de maior independência do parlamento em relação ao governo federal. O presidente do Congresso Nacional na época, senador Davi Alcolumbre (União-AP), destacou que a emenda não é contra nenhum governo, mas a favor da “boa política e da descentralização de recursos”. 

 

“Há anos lutamos por um maior respeito a decisões do Congresso Nacional. Representamos o povo e as unidades da Federação com suas diversidades política e social. Temos contato direto com nossas bases e percebemos as necessidades como mais facilidade. Levar recursos para estados e municípios é função legítima de seus representantes políticos. Longa tem sido a luta para que o Orçamento deixe de refletir somente a necessidade do governo central”, afirmou Alcolumbre na sessão de promulgação, em junho de 2019.

 

Posteriormente a essa emenda constitucional, no final do primeiro ano do governo Jair Bolsonaro, mais uma alteração na legislação foi introduzida pelo Congresso para regulamentar a distribuição das emendas parlamentares. 

 

Com as mudanças, as emendas inseridas no Orçamento da União passaram a ser divididas em quatro categorias: as individuais, cuja destinação fica a critério de cada parlamentar; as de bancada, definidas em conjunto pelas bancadas estaduais e regionais; as de comissão, definidas pelas comissões temáticas da Câmara e do Senado; e as de relator (RP9), definidas conforme critérios do relator geral do orçamento, escolhido anualmente.

 

O uso cada vez maior dessas emendas de relator acabaram gerando um escândalo de corrupção, em maio de 2021, a partir de uma investigação do jornal Estado de S.Paulo, que deu origem ao termo “orçamento secreto”. A possibilidade de solicitar emendas utilizando critérios próprios e sem revelar o próprio nome permitiu com que diversos parlamentares realizassem compras superfaturadas ou realizassem obras que trouxessem apenas benefícios pessoais, às vezes fora de seus estados. Na investigação, foi destacado o “tratoraço”: uma compra de trator por mais de 200% de seu valor, utilizando recursos do Poder Executivo.

 

A prática do orçamento secreto foi apontada como uma ferramenta do governo Bolsonaro para “comprar” votos de parlamentares. Com a porcentagem do orçamento da União destinada às emendas de relator aumentando a cada ano e o encolhimento das verbas ministeriais, a possibilidade de enviar esses recursos para obras em suas bases acabou se tornando um convite para deputados cooperarem com o relator geral do orçamento e o governo.

 

No final de 2022, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucionais as emendas de relator, que ficaram conhecidas como orçamento secreto. Por decisão da Corte, essa modalidade de pagamento de emendas foi extinta.

 

A partir dessa decisão, além das emendas individuais, os deputados e senadores passaram a concentrar suas indicações nas chamadas emendas de comissões, que se tornaram uma das principais formas de envio de dinheiro para os redutos eleitorais. Junto com essa modalidade surgiram as chamadas “emendas pix”, que são recursos com modalidade de “transferência especial” direta para estados, Distrito Federal, sem que haja necessidade de celebração de convênio ou instrumento do tipo para os repasses.

 

Sem as emendas de relator, as chamadas emendas de comissão tiveram uma alta de 5.912% nos valores pagos em 2024 na comparação com o ano de 2022. Segundo dados do Senado, os valores reservados para as emendas de comissão saltaram de R$ 329,4 milhões em 2022 para R$ 15,5 bilhões em 2024.

 

O Supremo Tribunal Federal agora analisa se, na prática, os parlamentares apenas substituíram o extinto orçamento secreto pelas emendas de comissão. Essa desconfiança dos ministros do STF está por trás da decisão do ministro Flávio Dino de suspender as emendas pix e até mesmo as emendas impositivas, garantidas por meio de emendas constitucionais.

Fonte: Bahia Notícias

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