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Vale Tudo pelo Poder? A crise do quinto constitucional no TRT-BA e as fragilidades de um modelo de campanha eleitoral
O cenário era o Tribunal Regional do Trabalho da Bahia (TRT-BA), e o enredo, digno de uma novela do horário nobre, ainda que seja em um péssimo remake. A esperada escolha da lista tríplice para a vaga de desembargador da advocacia – um processo que deveria ser interna corporis, técnico e discreto – transformou-se em um espetáculo de táticas políticas, ameaças e um racha na própria Corte.
O adiamento da votação por “falta de provas” de efetiva militância, provocado pelo desembargador Edilton Meirelles, não é um simples ato burocrático, mas sim o ponto de ebulição de uma campanha midiatizada que questiona: vale tudo pelo poder?
Se a novela “Vale Tudo” nos deixou o questionamento moral sobre os limites da ambição, a disputa pelo quinto constitucional na Bahia escancara a profissionalização política das eleições no sistema da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), atingindo um patamar jamais visto neste ambiente.
A advocacia trabalhista na Bahia sempre foi uma trincheira de luta por direitos e pela própria existência da Justiça do Trabalho. Historicamente, é o advogado, com sua liberdade e independência, quem pode criticar, cobrar melhorias e sentir na pele a dor da ineficiência judicial. Pode observar: os outros atores que atuam na Justiça do Trabalho não estão sempre no front desta briga.
Nesse contexto, choca a facilidade com que alguns profissionais, mesmo com carreiras sólidas e prestígio no magistério,se dispõem a rasgar a própria biografia – uma vida dedicada à advocacia – para ingressar na magistratura. Ora, se a militância, a docência e o prestígio profissional já são fontes de rendimento e influência, o que move a urgência de mudar de lado e vestir a toga?
O jogo de poder, neste nível, sugere que o sacrifício ético é aceitável em prol de uma cadeira vitalícia, expondo a incoerência entre o discurso de defesa da classe e a ambição pessoal. Mas tudo bem: vão dizer que isso é uma outra forma de defender as prerrogativas da advocacia.
Chegamos a um ponto alarmante em que, para angariar votos em um processo interno, candidatos a uma vaga no Judiciário não hesitam em contratar marqueteiros do meio político. Se antes, as eleições do quinto constitucional eram acompanhadas pela imprensa à distância, agora, a mídia é ativamente procurada por assessorias que tentam moldar narrativas e promover candidaturas.
A “holofotização” do Judiciário, intensificada pela criação da TV Justiça, há mais de 20 anos, veio a ilusão de que a mídia é um bom espaço para lançar pretensões políticas no âmbito jurídico. Contudo, ao se colocarem na condição de atores políticos, operadores do Direito precisam entender que a imprensa não é apenas um veículo de autopromoção.
Quando o processo sai da esfera técnica e entra na política, o papel da mídia especializada é de fiscalizar, criticar e cobrar atos condizentes com a Constituição Federal. O bom diálogo com a sociedade é fundamental, mas não pode ocorrer sob o viés da politização partidária – este é um jogo que deveria ser deixado para os políticos profissionais.
O que ocorre hoje no TRT-BA é reflexo de um problema mais profundo, que remonta a anos de “profissionalização” das eleições no sistema OAB. A eleição de 2012 de Luiz Viana para a presidência da OAB-BA, por exemplo, foi um marco disruptivo que forçou todos os concorrentes a investirem em marqueteiros, santinhos e comitês, mas também abriu a porta para o uso de táticas sujas, como as fake news.
O ponto é que as eleições da Ordem, regidas por normativos falhos e discutíveis, permitem um jogo que, por analogia, seria repudiado nas eleições partidárias. Há brechas que parecem privilegiar candidatos com acesso à máquina institucional em detrimento daqueles que não a integram.
É perplexo para qualquer cidadão comum saber que em um simples processo eleitoral de lista tríplice, onde a palavra final será do Presidente da República, há desrespeito, falta de transparência, regras questionáveis e, o mais grave, um silêncio ensurdecedor de opositores diante de candidaturas passíveis de impugnação, como as questionadas por Edilton Meirelles.
O que o bom jornalismo faz, ao noticiar e analisar os bastidores desta disputa, é cumprir seu papel: refletir sobre a escalada da profissionalização política em um espaço que deveria zelar pela técnica. Quando algo não está certo, os sinais aparecem, e cabe à imprensa especializada não se calar, mesmo sob ameaça, para cobrar a lisura de um processo que definirá o futuro da Justiça do Trabalho na Bahia. A liberdade de noticiar e criticar é inegociável.
Cláudia Cardozo
Jornalista e Assessora de Comunicação
Fonte: BNews