Saúde
Laboratórios pressionam Anvisa para manter ritmo ‘acelerado’ de aval a pesquisas
Farmacêuticas e médicos buscam na crise do coronavírus uma forma de fazer pressão para que ritos “acelerados” adotados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para autorização de pesquisas de potenciais vacinas e remédios sejam mantidos após a pandemia.
Dados de relatório da agência mostram que, em 2019, o tempo médio de análise de diferentes dossiês para estudos clínicos com medicamentos –quando são feitas pesquisas em humanos– variou de cerca de três a seis meses, para pedidos prioritários, a sete a nove meses, para aval a estudos iniciais que incluíam remédios mais complexos.
Os números contrastam com o prazo atual para análise de novos pedidos de testes de potenciais vacinas e medicamentos para Covid-19, os quais têm recebido, em média, aval em até 72h após a submissão.
Para Nelson Mussolini, presidente-executivo do Sindusfarma, que reúne indústrias farmacêuticas, a Anvisa demonstrou na pandemia que tem condições de avaliar pedidos de autorização de estudos clínicos de forma rápida.
“A média de [tempo de análise para] pesquisa clínica no Brasil é muito ruim perto de outros países. Os Estados Unidos aprovam em 30 a 60 dias enquanto no Brasil demora seis a sete meses” diz. “É uma burocracia que na maioria dos casos é desnecessária.”
Avaliação semelhante tem Fernando Francisco, da Associação Brasileira de Organizações Representativas de Pesquisa Clínica. “As instâncias regulatórias estão aprovando estudos em velocidade muito rápida. O que temos discutido é: precisa levar seis meses para analisar estudo de uma droga biológica, e para um estudo de Covid levar 72h?”, questiona, citando o prazo máximo previsto em regras atuais, que vai de 90 a 180 dias.
“Temos possibilidade de melhorar, sem tirar a segurança do paciente”, diz ele, para quem o ideal seria análise em até 90 dias em todos os casos.
O pedido para que a rapidez nas análises seja incorporada de forma mais ampla no pós-pandemia tem ocorrido em conjunto com a pressão para aprovação de um projeto de lei que traz regras para a pesquisa clínica no país.
Atualmente, para que um novo estudo clínico de um novo remédio ou vacina seja aprovado, é preciso aval de comitês de ética e da Anvisa, que responde pela análise técnica.
O projeto traz o prazo máximo de 90 dias para a agência fazer avaliação de novos pedidos de estudos, o qual pode ser estendido para 180 dias apenas em casos complexos.
Embora prazos semelhantes já constem de norma da Anvisa, membros do setor destacam que falta lei específica que dê segurança ao setor e permita cumprimento mais rápido.
Aprovado no Senado em 2017, o projeto aguarda aprovação na Comissão de Constituição e Justiça na Câmara. Parlamentares que acompanham as discussões dizem que já há sinalização do presidente da Casa, Rodrigo Maia, para que a proposta ganhe novo impulso.
O texto, porém, tem pontos polêmicos: um deles é que retira a necessidade de ter aval de duas instâncias de análise de ética, passando a apenas uma –a qual ocorreria no prazo de 15 a 30 dias.
Outro é a transferência da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, vinculada ao Conselho Nacional de
Saúde, órgão com representação social, para o Ministério da Saúde. A mudança divide entidades, que apontam risco à defesa de interesses dos pacientes e possibilidade de interferências do governo.
Ainda assim, a previsão é que um requerimento de urgência para o projeto seja votado na próxima semana. A medida ocorre após carta enviada por 23 entidades.
“No Brasil se gasta muito menos recursos em pesquisa clínica porque não temos leis bem estabelecidas, com prazos. A mudança poderia trazer acesso a drogas que não existem aqui e que são alvo de judicialização no SUS”, afirma o deputado Hiran Gonçalves (PP-RR), relator do texto.
Regina Próspero, vice-presidente do Instituto Vidas Raras, afirma que o Brasil perde a chance de avanço em pesquisas por não ter uma lei específica.
“A gente perdeu muita pesquisa por conta de prazo. Quando começava a desenrolar aqui, os prazos já estavam vencendo nos outros países e o patrocinador da pesquisa acabava tirando o Brasil do radar para não atrapalhar a pesquisa no resto do mundo.”
Questionada, a Anvisa diz que medidas para redução dos prazos de análise já eram analisadas e devem ser retomadas após a pandemia.
A agência atribui a maior rapidez na aprovação de estudos ligados à Covid-19 a mudanças em procedimentos na tentativa de reduzir o impacto da nova doença.
Tais pesquisas ganharam prioridade e passaram a “furar a fila”, foram instituídos comitês de especialistas para avaliar dados mais rapidamente e houve flexibilização de medidas técnicas.
“A situação de pandemia fez com que se buscassem respostas mais rápidas. Foi preciso reorganizar o foco no que era realmente crítico na hora de se conduzir um estudo clínico”, afirma Gustavo Mendes, gerente-geral de medicamentos da agência.
Segundo ele, empresas também assumiram riscos, como avançar em fases de pesquisa sem ter todos os dados completos de etapas anteriores.
Mends cita o exemplo da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford, que obteve aval para testes no Brasil inicialmente com uma única dose, mas mudou para duas após resultados em outros países –sem ter que reiniciar todas as etapas.
“A flexibilização jamais aconteceria em um cenário que não fosse de pandemia”, diz.
Até o momento, já foram aprovados 34 estudos no modelo ‘fast-track’ (em 72h) para Covid-19 neste ano. A agência também diz ter dado aval a outros 103 dossiês de pesquisas não ligadas a doença, com prazos que, na pandemia, variaram de 2,6 a 6,3 meses.
Mas enquanto alguns estudos são acelerados, outros ainda esperam na fila para começar a análise.
Atualmente, a agência soma ao menos 22 novos dossiês nesta situação -o mais antigo é de fevereiro.
Também há outros 163 pedidos de emendas e modificações em protocolos já existentes.
Em nota, a Anvisa reconhece que “alguns estudos podem ter tido seu prazo de análise prejudicado” devido ao foco em solicitações relativas à Covid-19.
Cobrada pelo setor, a rapidez em análises, porém, é vista com ressalvas por especialistas.
Gonzalo Vecina Neto, professor da USP e fundador da Anvisa, afirma que a agência ainda está aprendendo a lidar com burocracias e que há espaço para melhorias. Ele refuta, no entanto, a ideia de lentidão e aponta necessidade de garantir a segurança.
Para ele, a agência deve focar em questões prioritárias, mas tentar evitar pressões. Ele cita como exemplo a rapidez no aval ao registro de testes rápidos para a Covid-19 no início do ano.
“Isso foi uma grande bobagem, por pressão do ministério. Depois ficou claro que muitos não eram eficazes e vão ser retirados do mercado daqui uns meses.”
Fonte: Bahia Notícias