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Eleições 2020: candidatos tentam furar a bolha e criar cidades que abracem todos

Em meados de 2015, o ator Ari José Arimateia de Oliveira Moura Filho, ou apenas Ari Areia, estreou a peça Histórias Compartilhadas no teatro da Universidade Federal do Ceará (UFC), em Fortaleza. A ideia da obra era, conforme o Yahoo Notícias, retratar a dor e sofrimento de pessoas que são discriminadas por serem transexuais a partir de histórias reais. Pouco depois da exibição, porém, a obra começou a receber ameaças e críticas nas redes sociais, tornando-se alvo de ataques preconceituosos.

A peça, que seguiu em exibição por mais um ano, não está mais em cartaz. No entanto, as mensagens de apoio de ativistas LBGTQI+, sigla que indica lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, transgêneros e travestis, queers, intersexuais e outras formas de orientação sexual, motivaram Areia a perceber que seu público precisava de “representatividade além dos palcos”, como ele mesmo diz.

“A gente queria fazer política através da arte, nos palcos. Mas a partir desse episódio, parte do movimento de cultura em Fortaleza decidiu que precisávamos propor uma inserção no campo da política eleitoral, que era algo que estava fora do nosso radar”, explica Areia.

Em 2018, Areia foi eleito como primeiro suplente de deputado estadual do PSOL pelo Ceará. Ele afirma que foi o primeiro parlamentar que se assumiu como homoxessual publicamente no nordeste.

Hoje, pelo mesmo partido, ele concorre como vereador de Fortaleza ao lado de outras 1.352 candidaturas, conforme mostram dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) contabilizados até esta terça-feira (6). A ideia do candidato foi apostar em uma candidatura que, além de representar parte da população LGBTQI+, escute os moradores periféricos, negros e que estejam em alguma “minoria” da sociedade.

Para ele, parte dos parlamentares esquecem as periferias e favelas da cidade, o que pode contribuir com o aumento das desigualdades, por isso a importância de uma chapa formada por um “preto e periférico”, como ele mesmo diz.

De acordo com estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a parcela mais rica da capital cearense, que representa 10% da população, tem três vezes mais facilidade de deslocamento para acessar um emprego formal em relação os mais pobres, que são 40% dos moradores. No caso de pessoas LGBTQI+ a distância entre casa e trabalho pode significar mais do que menos qualidade de vida. Isso porque entre 2016 e 2017, o número de assassinatos de pessoas que se identificam com a sigla cresceu 30% no Brasil.

Para ao Ipea, isso pode ser explicado pela dimensão da cidade e pela distribuição de renda e oportunidades. Fortaleza apareceu em um ranking entre as 10 cidades mais desiguais do país, atrás de Campinas, Curitiba, Brasília, Porto Alegre, Goiânia, Campo Grande, Belo Horizonte e São Paulo.

Disputa pelas cidades

De fato, a disputa pelas cidades vêm moldando o desenvolvimento dos centros urbanos no país e é apontada como um dos principais fatores que impulsionam a desigualdade no Brasil. Para especialistas, há uma briga na tomada de decisão, como a destinação de verbas aos bairros do município, por exemplo, o que gera influência direta nos dados sobre desigualdade e acesso aos benefícios urbanos que o município oferece.

Em São Paulo, por exemplo, uma pessoa que mora em um bairro nobre pode viver 20 anos a mais do que um habitante de uma região periférica, de acordo com dados do Mapa da Desigualdade.

Fato é que a desigualdade nas cidades brasileiras se estende por diversos quesitos e cresce a cada ano que passa. Entre eles estão habitação, cultura, lazer, trabalho, saúde, educação. Nestas eleições, soluções para minimizar essa condição será um dos desafios para aqueles que concorrem a um cargo de vereador ou prefeito.

Para a mestranda em Planejamento Urbano na USP (Universidade de São Paulo), Gisele Brito, essas desigualdades podem ser compreendidas e reduzidas se parte do olhar do poder público fosse direcionado para o direito à cidade.

“Eu moro em São Paulo e se quero ter acesso a um parque, o Ibirapuera, por exemplo, o trajeto que faço até chegar lá é uma forma de direito a à cidade, aos benefícios que a cidade oferece”, explica, referindo-se a explicação que ela considera mais simples na compreensão ao direito à cidade.

No entanto, Brito chama atenção para um definição mais profunda, como ela mesma diz, sobre o tema e a participação social. “Quando se escolhe um lugar para instalar um parque é a população que deveria definir o local, ser escutada, decidir qual o tipo de lazer que será disponibilizado e suas características”, diz.

Direito à cidade para redução de desigualdades

Ari Areia é candidato a vereador em Fortaleza, Ceará (Foto: Divulgação)

É pensando em reduzir as desigualdades e discutir o direito à cidade, que a Plataforma Cidades lançou um curso para os candidatos e integrantes de campanhas parlamentares nestas eleições poderem contar com apoio e suporte no desenvolvimento de suas candidaturas. Segundo o coordenador do curso e cientista social Marcio Black, o objetivo do curso é orientar as candidaturas ao legislativo nas eleições municipais de 2020.

“A iniciativa também visa desenvolver possibilidades para superá-las [desigualdades] e funcionar como um espaço para o encontro de candidaturas que coloquem esse tema em pauta, inclusive com abordagens que contemplem também temas como gênero, raça, redução das desigualdades e desenvolvimento urbano sustentável”, conta.

Organizado por instituições que debatem o acesso e o direito à cidade, o curso começou no dia 15 de setembro e irá até o dia 15 de outubro, quando irá faltar um mês para o primeiro turno das eleições deste ano, que está previsto para o dia 15 de novembro.

Segundo os organizadores, o curso conta com candidaturas de todos os espectros políticos. A sigla partidária não foi perguntada no questionário de inscrição. No total, são 180 pré-candidatos e candidatas distribuídos por todas as regiões do Brasil. As aulas acontecem via plataforma online de reunião. O número pode parecer pequeno se comparado com as mais de 500 mil candidaturas em todo país. Mas Black garante que as expectativas são altas.

“Todo esse conteúdo vai ficar disponível em uma plataforma para os candidatos e candidatas. Não é um conteúdo que desaparece. As aulas são gravadas e a gente vai disponibilizar todas essas aulas depois. Estamos criando uma base de dados e de conteúdo para os candidatos desse pleito e para quem venha se interessar mais para frente em outras eleições. A ideia é manter essa plataforma viva daqui pra frente”, resume.

Entre os participantes, está Ari Areia. Ele destaca que o curso representa muito mais do que “receber uma cartilha com uma pauta sobre direito à cidade” em uma campanha eleitoral.

“Eu acho que são a explosão das caixinhas a partir do compartilhamento de experiências. Eu acredito muito nisso e aí eu espero que esse curso tenha um resultado eleitoral e que a gente tenha em 2020 uma formação das câmaras municipais de todos país composta pelas vozes que representem de fato os anseios das maiorias dos brasileiros, das mulheres, da classe trabalhadora”, avalia.

‘Precisamos nos preocupar com a vida das pessoas’

Gisele Brito, também pesquisadora do LabCidade (Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade), diz que a formação de parte das câmaras municipais no Brasil está deturpada e que isso ficou claro em um momento de pandemia. Não porque, de certo modo, isto não acontecia antes do coronavírus, mas porque a sociedade passou a direcionar os olhares às periferias.

No entanto, ela chama atenção para a falta de participação das pessoas na tomada de decisões que tiveram influência direta no bem estar da população, como por exemplo a distribuição de cestas básica  que dependeu do apoio de coletivos de dentro das periferias e favelas para conseguir conectar poder público e moradores em situação de vulnerabilidade.

“É necessário um planejamento que leva em consideração a distribuição dos recursos públicos para garantir a qualidade de vida da pessoas e não o sucesso dos negócios”, diz. “O que fica de lição, ou melhor, reitera uma lição que os pensadores e intelectuais negros e periféricos, as pessoas que realmente estão preocupadas com o combate ao racismo e à segregação já falam, que é distribuir os recursos da cidade. Os recursos da cidade precisam ser desenvolvidos e a proteção à vida precisa ser priorizada”, avalia.

Brito defende a distribuição de recursos públicos como plano político para os novos vereadores e prefeitos, pois parte dos investimentos feitos em locais nobres e que refletem qualidade de vida, como melhores condições de saúde, lazer e trabalho, dependem do valor da contribuição das pessoas que moram “ao lado do córrego”, como ela mesma diz.

Nestas eleições, a mestranda em planejamento urbano acredita ser muito importante que este pleito conte com vazão para organizações políticas nesses territórios periféricos.

“Isso com certeza vai influenciar as formas de se elaborar políticas, se elaborar as formas de organização da cidade. Ou seja, a gente precisa se preocupar com a vida das pessoas, com o bem estar das pessoas a partir de políticas públicas que não transferiram para o capital a compra do bem estar das pessoas”.

Fonte: Acesse Política

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