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Adesão de celebridades ao contrato de namoro tem feito busca pelo acordo aumentar, aponta especialista
Fato que o “combinado não sai caro” nas relações amorosas, mas e quando esse acordo ultrapassa apenas aquilo que vem do coração, e pode se tornar um documento jurídico? Pensando nisso, cada vez mais pessoas têm aderido ao chamado contrato de namoro para estabelecer regras dentro da relação a serem cumpridas por todos os lados.
“O contrato de namoro é recomendado, e normalmente praticado, nos casos onde há uma relação amorosa sem o propósito de constituição de família. Ele basicamente funciona a título de exclusão. Por que uma pessoa faz um contrato de namoro? Para não configurar a união estável, basicamente é isso. Então, o contrato de namoro é apenas uma declaração de que aquela relação que as pessoas estão tendo não será uma relação com o propósito de construir uma família”, explica o advogado especialista em Direito Civil e Processual Civil, Saulo Daniel Lopes, em entrevista ao Bahia Notícias.
Para uma relação ser configurada como união estável, ela precisa atender basicamente a três requisitos, como explica o especialista: união pública, duradoura e com o propósito de constituir família. Neste caso, o contrato tem apenas o poder declaratório. “Ele não faz nascer uma união estável, ele apenas declara que existe. Então esse propósito, basicamente, é o que diferencia uma união estável de um namoro”, frisa o advogado.
Isso não quer dizer que os namorados não possam se casar um dia ou constituir uma união estável – esses itens, inclusive, podem constar no contrato. “Ele precisa conter a declaração de que as pessoas têm uma relação afetiva, amorosa, sem o propósito de constituir família. Esse é o requisito fundamental de um contrato de namoro e, dentro disso, eles podem regular as cláusulas abertamente, podem fazer inclusive se o namoro avançar e se transformar em uma união estável, eles podem eleger o regime de bens futuros”.
O advogado orienta aos “pombinhos” pensarem em seus bens, já que a principal diferença entre o namoro e a união estável é a ausência de repercussões patrimoniais. Sendo assim, namorados não têm direito à pensão, divisão de bens ou herança.
“É bom que as partes já tenham ali no acordo a previsão de um regime de bens que será adotado. A maioria, por exemplo, quando quer fazer um contrato de namoro é para que não haja comunicação de bens”, destaca.
Esse regime pode ser de comunhão total ou parcial de bens, ou separação total de bens. “Um contrato de namoro já prevê que não há família e consequentemente não há esforço comum [para a comunhão parcial de bens]. Então essa é uma grande vantagem para quem de fato não quer configurar uma união estável”, comenta.
Para além dos bens, Saulo Daniel Lopes aponta quais questões os namorados precisam estar atentos no momento de selar o contrato. “As pessoas devem atentar para o seguinte fato, a gente costuma adotar um ditado que diz assim: ‘se o direito desconsidera a realidade, a realidade tende a desconsiderar o direito’. Não adianta fazer um contrato de namoro, se na prática as pessoas têm todos os elementos de uma união estável. Imagina que eu tenho um contrato de namoro, mas eu tenho filhos em comum, eu moro na mesma casa, me apresento como um casal, a gente usa aliança…se todo mundo reconhece publicamente a gente como marido e mulher, companheiro companheira, o contrato de namoro vai ser absolutamente desconsiderado porque ele não reflete a realidade”.
“Se o negócio for simulado, se de fato a realidade atender todos os requisitos de união estável, o contrato de namoro vai ser apenas um papel sem qualquer validade. Então vale a pena fazer quando de fato é aquilo que as partes querem viver”, complementa.
Advogado Saulo Daniel Lopes orienta e esclarece pontos sobre contrato de namoro. Foto: Divulgação
CLÁUSULAS
Entendida a diferença jurídica entre namoro e união estável, fica a pergunta: o que pode constar no contrato entre namorados? Saulo Daniel Lopes explica não haver uma regra específica, mas, entre as cláusulas mais comuns, para além da declaração de não união estável, estão a administração das redes sociais e a guarda de animais/pets.
As cláusulas ainda podem envolver a relação “embaixo dos lençóis”. “Pode parecer supresa para você, mas é bastante comum [estabelecer] o número mínimo de relações sexuais durante a semana”, diz.
Há casais que também gostam de deixar ainda mais às claras o “regime” de namoro, incluindo no contrato o pacto de monogamia ou nível de abertura da relação. “São cláusulas variáveis, mas é bastante solicitado”.
Outro ponto que costuma constar nos contratos de namoro, segundo o advogado, são as multas ou indenizações por infidelidade – fato que vem sendo configurado em casos judiciais como dano moral. “Pode configurar também no contrato de namoro quando isso gera uma repercussão negativa apta a causar um abalo psíquico muito forte na outra parte. Um namoro público conhecido, reconhecido em que a traição se torna amplamente divulgada e tem um efeito de causar vergonha pública, um escárnio maior, isso pode sim gerar uma repercussão até de um dano moral e uma repercussão de indenização se houver cláusula no contrato de namoro apta a imputar uma penalidade, uma multa, eu penso que essa multa é plenamente aplicável e pode sim ser requerida em juízo”.
E em tempos de tamanha exposição virtual, o advogado relata um dos episódios inusitados vivenciado com seus clientes. “Já presenciei, por exemplo, que quem fizer outro Instagram ou outro Facebook, rompe imediatamente o contrato. Todas as senhas precisariam ser compartilhadas”.
As cláusulas ainda podem ultrapassar a barreira da relação entre os casais ou demais pessoas envolvidas no namoro, incluindo diretamente familiares e amigos. “Número de visitas máximas à sogra, ou seja, ‘só me peça para visitar a sua mãe duas vezes ao mês, mais do que isso não vou ser obrigado; compromissos em que o outro obrigatoriamente deve aparecer com os amigos de tal núcleo. Tudo isso já vi sendo colocado”, diz Lopes.
PASSO A PASSO
Conforme o Colégio Notarial do Brasil (CNB), o contrato de namoro pode ser feito pessoalmente em um Cartório de Notas ou online, por videoconferência. Os namorados deverão estar com seus documentos pessoais, que serão conferidos pelo tabelião de notas, de comprovação de patrimônios que queiram deixar registrados na escritura pública, assim como ajustarem as cláusulas do documento. Segundo o CNB, o contrato de namoro será feito no ato, com rapidez e sem burocracia. O valor da escritura de um contrato de namoro é definido por lei estadual: R$304,30.
“Que se converse previamente todos os termos que são inegociáveis para aquele namoro, para que de fato constem no contrato. A partir disso, um profissional pode fazer isso com uma linguagem jurídica mais segura, mais firme, mais entendível, mais segura para as partes. [E] que possivelmente pensem na possibilidade daquela relação evoluir”, destaca o advogado.
Para ter validade jurídica, no entanto, não é preciso que o contrato seja feito diretamente no cartório. Conforme Saulo Daniel Lopes, reconhecer o documento em cartório é “só uma modalidade mais segura”, mas um contrato particular feito em folha de ofício com a assinatura das partes e reconhecimento de firma das assinaturas, também funciona como instrumento válido. “O que a gente normalmente recomenda é que esse documento seja feito com maior seguridade possível. Um documento feito em cartório tem uma presunção legal de validade muito maior”, ressalta.
CRESCIMENTO
Dados divulgados pelo Colégio Notarial do Brasil – Seção Bahia (CNB-BA) confirmam crescimento de 91% nas buscas por contratos de namoro em 2023 no estado. De acordo com o levantamento, entre 2016 e 2024 foram realizados 102 contratos de namoro em cartório.
Falando em cenário nacional, os números dos Cartórios de Notas do Brasil mostram que 2023 registrou um recorde de contratos de namoro entre casais brasileiros. No mesmo período, foram realizados 608 contratos, um aumento percentual de mais 35% em 2023, e de 384% desde a instituição deste instrumento jurídico. O mês de julho é o que mais se destaca, com 63 atos ao longo deste período, seguido pelos meses de agosto e outubro, com 61 celebrações deste tipo de acordo.
Na visão de Saulo Daniel Lopes, esses números crescentes podem ser atribuídos à adesão de famosos. “Eu acho que o principal fator é o fato de muitas celebridades estarem adotando esse tipo de contrato. Recentemente a gente o caso do jogador Endrick, do Palmeiras, jogador ainda muito novo, construiu uma relação pública e que optou por esse tipo de contrato, esse tipo de relação é devidamente formalizada esse tipo de situação, quando é levada à grande mídia traz um nível de informação que muitas pessoas sequer sabiam que existiam. As pessoas sabem o que é um namoro, mas muita gente não tem não tinha pelo menos ideia da existência de um contrato de namoro, dessa possibilidade jurídica. Então, quando o assunto é levado pela grande mídia, a mídia faz esse bom papel de trazer esse nível de informação, sobretudo porque as pessoas admiram uma celebridade, um jogador, ator, artista, influencer e vêem aquele padrão na relação dele, isso leva as pessoas a pensarem: ‘puxa, se ele fez por que não eu?”.
Gabriely e Endrick tornaram público o contrato de namoro firmado entre eles. Foto: Reprodução
Endrick, de 17 anos, e a modelo Gabriely Miranda, de 21 anos, tornaram público o contrato firmado entre eles, que inclui cláusulas como proibição de vícios e mudanças drásticas de comportamento e a obrigação de dizer “eu te amo” em qualquer situação, além de estabelecer que o relacionamento é baseado em respeito, compreensão e carinho. O contrato também proíbe o uso de determinadas palavras e expressões, como “beleza”, “hum” e “kkk”. Em caso de descumprimento, o infrator deve pagar uma multa na forma de um presente para o outro.
Paralelo ao crescimento dos contratos de namoro, o advogado também aponta o aumento dos acordos antenupciais ou pré-nupciais, a exemplo dos firmados por nomes como Anitta e a atriz Sofia Vergara que conseguiu preservar a fortuna durante o divórcio com Joe Manganiello. Junto à questão patrimonial, o casal também pode prever no acordo a religião em que os filhos serão criados e a guarda dos animais de estimação em caso de separação. “Esse tipo de situação que é entendido hoje, como é extrapatrimonial, também pode ser regulado em um pacto antenupcial ou até mesmo em um contrato de união estável”.
Fonte: Bahia Notícias